Como a biologia sintética vai nos modificar

No futuro, organismos geneticamente modificados poderão fazer nossos remédios, nosso combustível, utensílios domésticos, nossas casas – e podem até nos ajudar a recriar a nós mesmos.

Isto parece ficção científica, mas o futuro já está chegando, na forma da garrafa de bioplástico que você pode estar segurando agora. O geneticista de Harvard, George Church, apresenta tudo isto em um novo livro, “Regenesis: How Synthetic Biology Will Reinvent Nature and Ourselves” (“Regênese: como a biologia sintética irá reinventar a natureza e a nós mesmos”, em tradução livre), escrito com Ed Regis.

“Já estamos reconstruindo a nós mesmos e nosso mundo, refazendo os passos da síntese original, redesenhando, recodificando e reinventando a própria natureza neste processo”, eles escrevem.

Até mesmo o livro foi reinventado através do DNA: “Regenesis” é um dos raros livros que foram o foco de uma pesquisa no periódico Science. Todas as suas 53.426 palavras, junto com as 11 imagens e aplicação Javascript, foram cofidicadas em trechos de DNA, e depois lidas novamente, apenas para provar que isso pode ser feito. Mas o uso do DNA como a próxima geração de mídia de armazenamento é só uma das aplicações apresentadas em “Regenesis” – e não é um exagero.

Se você quer falar sobre exageros, que tal regenerar espécies extintas, como o mamute lanudo e até mesmo o hominídeo Neandertal? E que tal métodos sintéticos de fotossíntese, o processo que transforma dióxido de carbono, água e luz do sol em oxigênio e combustível? Que tal alterar o genoma humano para fazer com que sejamos imunes a múltiplos vírus? E por que não nos tornarmos virtualmente imortais?

“Regenesis” explora todos estes aspectos – as possibilidades e realidades, prós e contras. Os autores acreditam que a biotecnologia é a chave para a imortalidade, para a espécie humana e talvez para os indivíduos também. Mas será que isto não é um sonho, uma ilusão biotecnológica? George Church respondeu a uma entrevista por telefone sobre este assunto, veja os principais pontos:

Seu livro é bastante positivo, você está tentando colocar uma luz positiva sobre isto ou acha que esta é a forma realista de ver como tudo vai se desenvolver?

GC: O livro não é totalmente positivo, ele descreve algumas armadilhas potenciais, mas penso que as armadilhas têm soluções. Me parece que a maioria dos impasses parece ter soluções em que todos saem ganhando, se você se aprofundar neles.

Em algumas áreas discutidas, o futuro já chegou, como no caso de micróbios projetados para transformar restos de plantas em plásticos. Que outras inovações estão próximas de se tornar realidade?

GC: Existem algumas coisas que estão acontecendo, como a Joule Unlimited unindo-se à Audi para produzir biocombustível, que talvez venha a custar US$ 1,28 o galão (cerca de R$ 0,68 por litro). Isto é conversão de dióxido de carbono e luz solar em combustível. Outras indústrias estão usando a mesma bactéria e pesquisando produção de alimentos e químicos como plásticos.

Ano passado foram levantadas algumas preocupações sobre este campo, e pedidas mais regulações. Como você vê isto?

GC: Eu já fui defensor de mais regulamentação, e meu próprio laboratório está sendo regulamentado. Embora em algumas áreas isto seja um grande problema, eu acho que em geral é algo positivo.

Com a Administração de Alimentos e Drogas (FDA, dos EUA), eu vejo ainda muita coisa que está escapando de regulamentação. Muita coisa que eles bloqueiam são apenas pequenos incrementos. A maior parte do dinheiro está sendo aplicada para estender patentes, ou estender um monopólio baseado em patentes de drogas.

Eu acho que deveria haver licenciamento e vigilância para todos que fazem biologia sintética, mesmo para os amadores. Até onde eu sei, ninguém morreu por causa da biologia sintética, mas é onde eu acho que os riscos são maiores.

Você parece preocupado com o movimento de biologia “faça-você-mesmo”…

GC: De certa forma eu ajudei a começá-lo. O público deve estar mais engajado com a ciência, então é algo saudável. Mas eu colocaria mais ênfase em estudar o próprio genoma que em sintetizar novos genomas. Mas qualquer coisa que deixe as pessoas envolvidas em ciência e que as deixe mais preparadas para decisões políticas e econômicas é importante. Atualmente há um monte de decisões importantes que nossos líderes não entendem, nem seus assessores.

O que você acha que os líderes políticos deveriam compreender melhor sobre a biologia sintética?

GC: Eu acho que eles têm feito um bom trabalho, percebem que é a era da bioeconomia, mas há uma tendência para atender os lobbies. Por exemplo, muita gente acha que é uma ideia econômica e cientificamente ruim ir do milho para o etanol; eles ainda estão nesta. Por causa da seca, eles terão que recuar, mas o lobby do milho é poderoso.

O momento é do crescimento da bioeconomia. Não há nada que não possa ser feito melhor e mais barato usando biotecnologia, incluindo computadores, bens de consumo e produtos químicos, mas os detalhes são importantes. É preciso ter técnicos em posições de poder, e é preciso que quem está no poder aprofunde-se nos aspectos técnicos.

Muito se falou sobre a revolução genética, e o que de bom e de ruim ela poderia fazer por nós. Existem pesquisas tentando encontrar as raízes genéticas de doenças. Você acha que estamos no caminho certo, só está levando mais tempo para começar a revolução genética, ou alguma coisa está faltando para que realmente inicie a revolução genética?

GC: Não recordo de alguém ter falado sobre promessas e tenho certeza de não ter feito previsões de cronogramas para as descobertas e o retorno das pesquisas. Em um relatório, foi apontado que há um retorno de 140 vezes do investimento na revolução do genoma, algo em torno de US$ 700 bilhões (R$ 1,413 trilhões) em 2011, sendo que a corrida pelo genoma foi dada como terminada em 2001. Os custos foram reduzidos um milhão de vezes desde então.

O que nos leva a segunda percepção errada das pessoas, que não temos um genoma acessível, ou se for acessível, não será útil. Mas eu penso que todos deveriam fazer o mapeamento genético. Você pode ser uma pessoa saudável e morrer de acidente ou velhice, mas pode ser que ao invés tenha uma destas doenças que são catastróficas para a família. É só US$ 4.000 (cerca de R$ 8 mil), por que correr o risco?

Já chegamos ao ponto em que a qualidade é alta, o custo é baixo, e a interpretabilidade é alta. Não para tudo, mas para alguns problemas médicos. Não consigo pensar em nenhum motivo para as pessoas não fazerem o sequenciamento.

Alguns dizem que o preço para o mapeamento se tornar popular é US$ 1.000, agora você falou em US$ 4.000. Considerando o que já baixou, de bilhões de dólares para milhares, como você espera que o preço do sequenciamento se comporte nos próximos dois a cinco anos?

GC: Eu fui uma das pessoas que tinha como objetivo algum valor entre US$ 1.000 e US$10.000, mas todo mundo se prendeu ao valor de US $1.000. Eu acho que o que vai acontecer é que o preço vai estabilizar em algum valor próximo do atual, e a qualidade da interpretação vai continuar melhorando.

Existem algumas tecnologias que estão no horizonte e podem baratear ainda mais o sequenciamento, mas acho que agora é uma boa hora para pensar seriamente no sequenciamento.

Você acha que veremos todo tipo de produto no mercado de análise de genoma, como o iPhone vs. Android vs. Nokia vs. iTouch? O consumidor terá que ter bastante conhecimento sobre os produtos?

GC: Acho que teremos múltiplos produtos genômicos, mas a principal razão para educar o consumidor não é qual método você quer. Neste momento, eu acho que o produto com a qualidade mais alta e que está pronto para aplicações clínicas é da Complete Genomics. Vamos precisar de comparações independentes para poder julgar isto por nós mesmos.

Mas acho mais importante que as pessoas sejam alertadas para os ricos e benefícios de examinar partes particulares do genoma, para que saibam o que estão procurando. Quanto mais poderosa a tecnologia, mais importante é ter este tipo de informação, além de licenças e vigilância.

Além de ler “Regênesis”, que outra sugestão você tem para as pessoas se informarem?

GC: Especificamente para genômica pessoal, existe uma organização chamada pgEd.orgque tem por objetivo instruir as pessoas, incluindo escolas. Há também um outro livro popular chamado “Here Is a Human Being” (“Aqui está um ser humano”, em tradução livre) da Misha Angrist, que é divertido.

Até certo ponto, a melhor coisa é mapear o teu genoma. Você pode começar com um dos serviços mais baratos, mas o problema é que se você começar com um serviço barato e não aprender nada, você pode não prosseguir. [Cosmic Log]