Higiene faz mal à saúde

Nunca fomos tão limpos. Por dentro e por fora: dos banhos diários à comida pasteurizada, do papel higiênico à água clorada, dos antibióticos ao aspirador de pó, uma série de avanços culturais e tecnológicos eliminaram boa parte dos micro-organismos com os quais nossos antepassados sofriam. Várias doenças deixaram de existir, a expectativa de vida aumentou.

Os purificadores de ar acabam com os ácaros, a comida industrializada tem conservantes e antibióticos, e até os animais de estimação estão mais limpos. Mas esse estilo de vida asseado pode fazer mal, aumentar a incidência de certos tipos de doença.

Hoje, nos EUA, mais de 50% das pessoas têm algum tipo de alergia – o dobro da década de 1980. E os jornais publicam notícias assustadoras sobre a comida: só num dos casos, ano passado, 10 milhões de quilos de carne tiveram de ser recolhidos do mercado devido a contaminação. Até o reles amendoim é tratado como se fosse ameaça biológica – como há crianças que podem morrer se sentirem o cheiro dele, as escolas americanas estão criando “zonas livres de amendoim”. O que está acontecendo?

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Bom, lembra de quando você era criança e chegava imundo em casa? Aí sua mãe mandava correr para o banho. Ela estava errada.

“Se você tiver um gato antes do nascimento do seu filho, a criança nasce mais protegida contra alergia (a gato), devido às substâncias liberadas pelo animal. Isso foi comprovado em alguns estudos”, diz Evandro Alves do Prado, professor da UFRJ e diretor da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Ele cita outros casos intrigantes: “Alguns trabalhos feitos na Alemanha mostram que, em famílias com muitos filhos, o irmão caçula estaria protegido de alergias, devido ao contato com os irmãos mais velhos. E pessoas que moram em áreas rurais, em contato com esterco de boi, de cavalo, também acabariam mais protegidas”.

Mais: além de ajudar o corpo a criar resistência contra micro-organismos, a exposição a sujeiras no dia-a-dia ajudaria a refrear a fúria do sistema imunológico. Num estilo de vida super urbano, avesso à sujeira, as células de defesa do organismo não têm tantos inimigos para combater e acabam surtando. Desse jeito, elas podem entender o amendoim, por exemplo, como um inimigo. E reagir violentamente (na forma de uma alergia). Outra manifestação de um sistema imunológico pirado é atacar as próprias células do corpo, coisa que pode dar nas chamadas doenças auto-imunes (asma, artrite, esclerose).

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É o que prega a “hipótese da higiene”, uma teoria que já existe há algum tempo, e que nunca foi consenso. Mas agora estão surgindo algumas pesquisas que parecem comprová-la. Um estudo feito na Universidade Duke, nos EUA, mostrou que ratos selvagens têm menos tendência a desenvolver certas doenças do que os de laboratório, habitantes de um ambiente tão limpo quanto um hospital de primeira. Tudo por causa de dois tipos de anticorpo: o IgG, ligado a alergias, e o IgE, que pode desencadear as doenças auto-imunes.

“Os ratos selvagens têm mais anticorpos. Mas eles não causam patologias, pois se ligam a agentes externos. Nos animais de laboratório, provocam reações alérgicas e auto-imunes”, diz o professor William Parker, responsável pelo estudo.

Além de fazer o organismo endoidar, a limpeza excessiva também pode nos deixar vulneráveis a bactérias e parasitas. O próprio governo dos EUA desaconselha o uso de produtos de limpeza com bactericidas, que são considerados ineficazes e perigosos, pois poderiam estimular o surgimento de bactérias hiper-resistentes. Pelo mesmo motivo, a ong Union of Concerned Scientists (algo como “União dos Cientistas Engajados”), voltada para assuntos de saúde, protesta contra o uso indiscriminado de antibióticos: nos EUA , o consumo deles subiu 50% desde a década de 1980 – sendo que a grande maioria, mais de 90%, é consumida pelos bois, vacas e galinhas que a gente come. A comida moderna, super desinfectada, pode ser perigosa.

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E a defesa da sujeira vai além: para alguns cientistas, o aumento no número de nascimentos por cesariana é um dos responsáveis pela explosão das alergias. É que nesse tipo de parto, mais limpo, a criança não passa pela vagina da mãe. Então não tem contato com a infinidade de bactérias que vivem lá, e acaba com o sistema imunológico pouco calejado. Parece absurdo, né? Mas, se você levar em conta que o corpo humano carrega 10 vezes mais células de bactérias do que de gente, faz sentido.

A imundície, veja só, pode até curar: dois estudos recentes mostram que determinados tipos de parasitas e bactérias aliviam, respectivamente, os sintomas da esclerose múltipla e da depressão.

Convencido? Calma: ninguém está dizendo pra você parar de tomar banho, rolar na lama ou deixar a casa emporcalhada. Contra as doenças da limpeza, a grande aposta dos cientistas é a sujeira high-tech: a empresa alemã Ovamed já vende um tratamento, de 2 200 euros, que supostamente alivia alguns tipos de doenças auto-imunes. São ampolas cheias de Trichuris suis ova – versão esterilizada de um parasita encontrado no intestino do porco. Você toma junto com água, no café da manhã. Vai encarar?

Little Girls Playing in the Leaves

Teoria da sujeira

Comida industrializada, antibióticos, cesarianas, vida urbana… o estilo de vida atual, mais limpo, pode estar aumentando determinados tipos de doença – principalmente nos países mais desenvolvidos. Estes números aqui, dos EUA, reforçam a hipótese.

Quanto Maior a limpeza…

Nascimentos por cesariana

1996 – 16,3%

2006 – 30,2%

Consumo anual de antibióticos

1996 – 7,3 milhões de quilos

2006 – 22,3 milhões de quilos

Porcentagem da população em áreas urbanas

1996 – 75,3%

2006 – 80,8%

…Maior a incidência de certas doenças

Porcentagem da população com alergia

1996 – 25%

2006 – Mais de 50%

Casos de asma

1996 – 13,7 milhões

2006 – 20 milhões

Epidemias de contaminação alimentar

1996 – 1

2006 – 6

[Superinteressante]